A
Fazenda da Reserva está localizada nas proximidades de onde existiu a Redução
(jesuítica) de Natividade, fundada em 1633. Ela ficaria, provavelmente, em
terras do atual Município de Pinhal Grande. Em 1626, chegou ao território rio-grandense
o bandeirante Raposo Tavares que, numa ação fulminante, veio caçar e escravisar
índios que seriam vendidos no norte. Uma das primeiras reduções a ser atacada
seria Jesus Maria, nas proximidades de Rio Pardo atual. Enquanto era preparada
uma resistência ao invasor, o Provincial dos jesuítas, Diego de Alfaro, preocupado,
resolveu que se reservasse em Natividade, uma das reduções menos
acessíveis ao inimigo, “um corte de gado” para as necessidades eventuais. Essa
“reserva”, que seria de 300 reses, estaria bem protegida em um rincão de campo onde, em 1960, nasceria Júlio Prates
de Castilhos. Daí o nome: Fazenda da Reserva.
Em 1823, duzentos anos depois, o Cap. Carlos dos Santos
Barreto recebeu carta de sesmaria sobre “os campos de criação e terras de mato”
no lugar “denominado Reserva”. Este seria o primeiro dono dessa região.
Em 1826, essa área, já denominada “Fazenda da Reserva”,
foi vendida Salvador Martins França e a Antônio de Souza Fagundes. A metade
dela Fagundes vendeu, em 1837, ao Pe. João Vaz de Almeida e Manuel Joaquim de
Macedo. Essa sociedade foi dissolvida em 1846 e todo o acervo passou a Manuel
Joaquim de Macedo.
Em 12 de janeiro
de 1848, este campo, que constituía a “Estância da Reserva”, foi vendido a
“Francisco Ferreira de Castilhos e sua mulher, Dona Carolina de Carvalho
Prates”, os pais de Júlio Prates de Castilhos. Diz a escritura, que incluía “casas, mangueiras e arvoredo”, além de
12 escravos. Obrigatoriamente, portanto, em uma dessas “casas” teria nascido Júlio de
Castilhos.
Na fotografia acima, de 1924, aparecem
três casas, pois “C” seria a capela ou o “oratório da Reserva”. Em uma pesquisa
no Arquivo Histórico de Porto Alegre descobrimos uma foto da casa A que tem,
entre as janelas, uma coroa de louro com
o ano de 1873, que seria o ano do término de sua construção. Portanto, quando Júlio de Castilhos tinha 13 anos. Soubemos,
então, que Júlio não nascera ali.
Sobravam duas
casas antigas, a B e a D, provavelmente da época da compra da Fazenda. Em qual
delas teria nascido o patriarca?
Muitas pessoas tinham como certa
a casa B, apontada até em jornais e pela filha de Quincas Paraguaio, um capataz
da Fazenda, pois a casa D, depois da demolição da casa A, era apenas um galpão e ninguém poderia imaginar que Júlio de
Castilhos tivesse nascido em um galpão.
Duas
observações, no entanto, nos intrigavam: A semelhança da casa B com o prédio
ainda remanescente (localizado nos fundos da casa A) onde Dr. Ibis afirmava que
seria a senzala e o número de janelas do galpão D.
Durante
três anos estudamos os documentos e fotografias antigos (escrituras de vendas)
e buscamos maiores esclarecimentos na tradição oral: fomos entrevistar a filha
do antigo capataz que nasceu na casa B e seu pai dizia ter sido no mesmo quarto
onde Júlio de Castilhos teria nascido.
Ela
tem uma memória fotográfica, morou na Reserva até seus 25 anos e assim descreveu
a casa B:
“A
casa tinha uma área na frente, com esteios de madeira. Era coberta com
telhas-canoa e o forro de madeira larga e o chão era de terra, chão batido,
só uma pecinha onde eu nasci tinha assoalho.
Ela tinha seis
peças, uma ao lado da outra. Na quarta foi onde eu nasci, em 9 de novembro de
1934. Tinha três pecinhas e um corredor. Na primeira peça, à esquerda, era o
quarto de meus pais, onde nasci, e era a única peça de toda a casa que tinha
assoalho de largas madeiras. Atrás dela era meu quarto de solteira. Todas
as peças da casa tinham, na frente, uma porta e uma janela e não tinham
porta nos fundos, com exceção da nossa casa e da “capela” (que seria a 6ª
peça onde guardavam o que sobrou do oratório).
Eu estava de
férias do colégio, teria uns 8 anos (1942/3) e assisti à demolição desta casa:
As paredes eram de barro de uns 50 centímetros de largura. Um barro
duro. A terra era tão dura que levaram dias para desmanchar com picaretas.
Ficava a marca lisa e brilhante do ferro. Foi demolida porque chovia muito,
estava apodrecendo a madeira, as paredes estavam “descascando”, mas não estavam
rachadas. Eram pintadas com cal branco e as paredes divisórias eram de
madeira”.
Pode-se
afirmar que todos os 11 filhos de Francisco e Carolina teriam que passar sua infância numa casa da Fazenda.
O que não se pode compreender, de maneira alguma,
é que Francisco Ferreira Castilhos e Carolina Prates de Castilhos fossem morar
numa casa feita de barro, de chão batido, com seis peças sem interligação,
ali nascessem a maioria de seus 11 filhos e onde todos eles fossem criados e
educados. Pois, Francisco, era um homem de “bastante fortuna”, filho de um
escrivão de tradicional família de Santo Antônio da Patrulha e Carolina era
descendente de “aristocrática família, filha de um próspero fazendeiro de São
Gabriel que foi Deputado da República Rio-Grandense e ajudou financeiramente a
Revolução Farroupilha”. Além disso, eram suficientemente ricos, pois compraram essa
fazenda e doze escravos por doze contos de réis. Uma alta importância para a
época quando o campo pouco valia.
Quando Júlio
de Castilhos tinha 6 anos, essa casa B
teria que hospedar, também, Francisca
Wellington, uma professora particular contratada por seu pai para ensinar Júlio
e mais cinco irmãos. Essa professora era casada com um professor inglês ou
americano, e tinham dois filhos, de 5 e 6 anos. “Dona Chiquinha, esposa do
professor Guilherme era uma grande dama, cujas maneiras distintas revelavam
educação aprimorada”. Certamente, esta família também residiria junto, por
alguns anos, na Reserva.
Não haveria
necessidade — nos perguntamos — de ser numa casa maior e mais adequada para a
posição social dessas famílias?
Parece
evidente, portanto, que Júlio de
Castilhos não nasceu nesta casa de barro e chão batido.
Em que casa da
Fazenda, então, teria nascido o Dr. Júlio Prates de Castilhos?
Como faz mais
de 150 anos, a gente não pode afirmar com absolutíssima certeza que
Júlio de Castilhos tenha nascido nessa casa atual das fotos acima. Mas são tantos
os indícios que mostram que esse galpão atual tem inúmeras características de sede de fazenda
que estamos absolutamente convictos
e podemos afirmar tranquilamente que Júlio Prates de Castilhos só poderia ter nascido nessa casa
quando ela teria a aparência igual a imagem abaixo, projeção digital, e que a
casa B, a nosso ver, seria apenas a sua primitiva
senzala.
Vejamos então alguns desses indícios:
2 — Ela possui
largas paredes com cerca de 50 centímetros de largura. Foi construída com
tijolos e coberta com telhas portuguesas (capa e canal).
3 — Possui muitas aberturas externas,
tanto na parte usada pelo Capataz (cujas peças tem forro de madeira),
bem como, ao fundo, na parte do dormitório dos peões.
Os
galpões de estâncias têm sempre uma construção mais simples com poucas
aberturas. Para quê tantas aberturas, se fosse apenas um galpão?
Tudo
leva a crer que toda essa edificação, com alto pé-direito de 3,5m, teria
sido a primitiva moradia dos pais de
Júlio de Castilhos. Embora, usada, atualmente, com outra finalidade,
repetimos, ela mais possui características de casa-sede.
4
— Na parte interna da casa, (hoje usada como galpão), existem duas altas
portas almofadadas, com bandeirolas de vidro.
Qual a razão
lógica para tão ricas portas em um simples galpão? Para quê colocar portas
altas, finamente trabalhadas com vistosas almofadas e com bandeirolas de vidro
em um galpão onde entra tanta luz?
Parece
evidente que seriam portas internas de
peças independentes de uma grande casa-sede.
5 — Entre
essas duas altas portas (foto acima) existe uma espécie de coluna, sem
função aparente, que deve ser resto
de uma parede divisória removida ao ser adaptada para galpão.
6 - Dentro do
atual galpão existem várias portas antigas com almofadas empilhadas numa
bancada ou console. Não seriam elas retiradas das paredes que dali teriam sido
removidas?
Além disso, são encontrados pelos arredores
dessa casa, peças de madeira de lei, ainda com os antigos cravos,
servindo de moirões e compondo porteiras da Fazenda. Não seriam aproveitados marcos antigos retirados na adaptação para galpão?
7 — Em um
buraco que existiu e fotografamos, no piso de lajes do atual galpão podiam ser
vistos tijolos, abaixo de lajes. Não seriam resto do piso da casa-sede?
8 — O Capataz
atual mora nas primeiras peças dessa casa. No quarto desse casal, aparecem os
vestígios de uma porta que dá para o atual galpão e de outra (à esquerda
da porta atual) que seria uma janela ou porta que foi fechada. [?]
9 — Havia,
junto a esta casa, um Oratório ou capela que teria sido construído, entre 1837
a 1846, pelo padre João Vaz de Almeida, ou por um dos donos anteriores. Também
é provável que o próprio Francisco Ferreira de Castilhos a tenha construído, já
antes do nascimento de Júlio, a pedido de Dona Carolina, que era sobrinha de
Dom Feliciano José Rodrigues Prates, o primeiro Bispo do Rio Grande. Por que
uma capela ao lado de um galpão?
Nesse
“Oratório de Francisco Ferreira Castilhos” foi, comprovadamente, batizada,
Carolina Prates de Castilhos, a sexta filha do casal e, possivelmente, também Júlio de
Castilhos (quatro anos depois) e outros irmãos mais. Ali foi,
comprovadamente, onde casaram Assis Brasil e Maria Cecília, irmã de Júlio. Não
se construiria uma capela à direita de um galpão, mas à direita da casa-sede.
10 — O
madeiramento que sustenta o telhado (tesouras, esteios e vigas) é feito de grossos
barrotes, de madeira-de-lei, falquejados e pregados com cravos
e não com pregos. Não resta a menor dúvida, portanto, que este prédio é muito antigo, pois, recentemente, ao serem reconstituídas partes desse
madeiramento, de lá foram retirados cravos
de ferro de perfil quadrado. “Pregos” que foram feitos por ferreiros (com
ferro aquecido e batido), próprios do Séc. XIX. Sabe-se que os pregos de perfil
redondo só apareceram em 1875. Esta casa, portanto, seria bem anterior a 1875.
A imponente casa D, com a capela do lado, teria sido, a nosso ver, o lar de Francisco Ferreira Castilhos e nunca um galpão da acanhada casa baixa B.
A imponente casa D, com a capela do lado, teria sido, a nosso ver, o lar de Francisco Ferreira Castilhos e nunca um galpão da acanhada casa baixa B.
11
— A casa D, tem cerca de 23m por 17.
Uma área de cerca de 393 metros quadrados!
Por que um “galpão” tão grande? Não é uma proporção mais própria para casa-sede?
CONCLUSÃO:
Temos
consciência de nossa limitação como leigo em história. Mas temos, mesmo como
simples pesquisador, a responsabilidade de uma afirmação categórica ao
propor o tombamento dessa casa como a casa onde nasceu Júlio de Castilhos.
Assim, para suporte científico de nossa tese, pedimos o parecer de um
emérito historiador, Licenciado em História e Geografia pela UFSM, onde
lecionou, especialista em Antropologia Cultural pela Universidade de Santa
Catarina. Ele escreveu:
“Li
atentamente a exposição da tese sobre o lugar onde Júlio Prates de Castilhos
nasceu, na Fazenda da Reserva. Fiquei impressionado com as evidências da
cultura material apresentadas no texto. Enumerei-as e anailsei-as uma a uma e
não encontrei nenhuma contradição. O prédio antigo e a Capela compuseram o
cenário onde Júlio de Castilhos nasceu. Não me sobra nenhuma dúvida disto.
Deixo registrado
que procurei em bibliografia competente outros dados e pouco existe. Sua tese é
inovadora e esclarecedora sobre o importante fato histórico. Tenho certeza de
que a comunidade científica acolherá sua tese.
Espero que
consigas o tombamento da Fazenda da Reserva. Todo o Rio Grande ganhará com
isto”.
Foi
assim que esta casa ficou protegida por lei, com Tombamento Municipal, como
“casa onde nasceu Júlio Prates de Castilhos”. Escrevo, e publico através deste
blog, a razão pela qual pedi esse tombamento, pois não são poucas as pessoas
que me fazem esta pergunta.