quarta-feira, 23 de abril de 2014

A FAZENDA DA RESERVA E A CASA ONDE NASCEU CASTILHOS


A Fazenda da Reserva está localizada nas proximidades de onde existiu a Redução (jesuítica) de Natividade, fundada em 1633. Ela ficaria, provavelmente, em terras do atual Município de Pinhal Grande. Em 1626, chegou ao território rio-grandense o bandeirante Raposo Tavares que, numa ação fulminante, veio caçar e escravisar índios que seriam vendidos no norte. Uma das primeiras reduções a ser atacada seria Jesus Maria, nas proximidades de Rio Pardo atual. Enquanto era preparada uma resistência ao invasor, o Provincial dos jesuítas, Diego de Alfaro, preocupado, resolveu que se reservasse em Natividade, uma das reduções menos acessíveis ao inimigo, “um corte de gado” para as necessidades eventuais. Essa “reserva”, que seria de 300 reses, estaria bem protegida em um rincão  de campo onde, em 1960, nasceria Júlio Prates de Castilhos. Daí o nome: Fazenda da Reserva.
            Em 1823, duzentos anos depois, o Cap. Carlos dos Santos Barreto recebeu carta de sesmaria sobre “os campos de criação e terras de mato” no lugar “denominado Reserva”. Este seria o primeiro dono dessa região.
            Em 1826, essa área, já denominada “Fazenda da Reserva”, foi vendida Salvador Martins França e a Antônio de Souza Fagundes. A metade dela Fagundes vendeu, em 1837, ao Pe. João Vaz de Almeida e Manuel Joaquim de Macedo. Essa sociedade foi dissolvida em 1846 e todo o acervo passou a Manuel Joaquim de Macedo.
            Em 12 de janeiro de 1848, este campo, que constituía a “Estância da Reserva”, foi vendido a “Francisco Ferreira de Castilhos e sua mulher, Dona Carolina de Carvalho Prates”, os pais de Júlio Prates de Castilhos. Diz a escritura, que incluía “casas, mangueiras e arvoredo”, além de 12 escravos. Obrigatoriamente, portanto, em uma dessas “casas” teria nascido Júlio de Castilhos


Na fotografia acima, de 1924, aparecem três casas, pois “C” seria a capela ou o “oratório da Reserva”. Em uma pesquisa no Arquivo Histórico de Porto Alegre descobrimos uma foto da casa A que tem, entre as janelas,  uma coroa de louro com o ano de 1873, que seria o ano do término de sua construção. Portanto,  quando Júlio de Castilhos tinha 13 anos. Soubemos, então, que Júlio não nascera ali.
Sobravam duas casas antigas, a B e a D, provavelmente da época da compra da Fazenda. Em qual delas teria nascido o patriarca?

Muitas pessoas tinham como certa a casa B, apontada até em jornais e pela filha de Quincas Paraguaio, um capataz da Fazenda, pois a casa D, depois da demolição da casa A, era apenas um galpão  e ninguém poderia imaginar que Júlio de Castilhos tivesse nascido em um galpão.
                Duas observações, no entanto, nos intrigavam: A semelhança da casa B com o prédio ainda remanescente (localizado nos fundos da casa A) onde Dr. Ibis afirmava que seria a senzala e o número de janelas do galpão D.

        
                Durante três anos estudamos os documentos e fotografias antigos (escrituras de vendas) e buscamos maiores esclarecimentos na tradição oral: fomos entrevistar a filha do antigo capataz que nasceu na casa B e seu pai dizia ter sido no mesmo quarto onde Júlio de Castilhos teria nascido.
                Ela tem uma memória fotográfica, morou na Reserva até seus 25 anos e assim descreveu a casa B:
                “A casa tinha uma área na frente, com esteios de madeira. Era coberta com telhas-canoa e o forro de madeira larga e o chão era de terra, chão batido, só uma pecinha onde eu nasci tinha assoalho.
Ela tinha seis peças, uma ao lado da outra. Na quarta foi onde eu nasci, em 9 de novembro de 1934. Tinha três pecinhas e um corredor. Na primeira peça, à esquerda, era o quarto de meus pais, onde nasci, e era a única peça de toda a casa que tinha assoalho de largas madeiras. Atrás dela era meu quarto de solteira. Todas as peças da casa tinham, na frente, uma porta e uma janela e não tinham porta nos fundos, com exceção da nossa casa e da “capela” (que seria a 6ª peça onde guardavam o que sobrou do oratório).
Eu estava de férias do colégio, teria uns 8 anos (1942/3) e assisti à demolição desta casa: As paredes eram de barro de uns 50 centímetros de largura. Um barro duro. A terra era tão dura que levaram dias para desmanchar com picaretas. Ficava a marca lisa e brilhante do ferro. Foi demolida porque chovia muito, estava apodrecendo a madeira, as paredes estavam “descascando”, mas não estavam rachadas. Eram pintadas com cal branco e as paredes divisórias eram de madeira”.
Pode-se afirmar que todos os 11 filhos de Francisco e Carolina teriam que passar  sua infância numa casa da Fazenda.                                                  
O que não se pode compreender, de maneira alguma, é que Francisco Ferreira Castilhos e Carolina Prates de Castilhos fossem morar numa casa feita de barro, de chão batido, com seis peças sem interligação, ali nascessem a maioria de seus 11 filhos e onde todos eles fossem criados e educados. Pois, Francisco, era um homem de “bastante fortuna”, filho de um escrivão de tradicional família de Santo Antônio da Patrulha e Carolina era descendente de “aristocrática família, filha de um próspero fazendeiro de São Gabriel que foi Deputado da República Rio-Grandense e ajudou financeiramente a Revolução Farroupilha”. Além disso, eram suficientemente ricos, pois compraram essa fazenda e doze escravos por doze contos de réis. Uma alta importância para a época quando o campo pouco valia.
Quando Júlio de Castilhos tinha 6 anos, essa casa B teria que hospedar, também,  Francisca Wellington, uma professora particular contratada por seu pai para ensinar Júlio e mais cinco irmãos. Essa professora era casada com um professor inglês ou americano, e tinham dois filhos, de 5 e 6 anos. “Dona Chiquinha, esposa do professor Guilherme era uma grande dama, cujas maneiras distintas revelavam educação aprimorada”. Certamente, esta família também residiria junto, por alguns anos, na Reserva.
Não haveria necessidade — nos perguntamos — de ser numa casa maior e mais adequada para a posição social dessas famílias?

Parece evidente, portanto, que Júlio de Castilhos não nasceu nesta casa de barro e chão batido.
Em que casa da Fazenda, então, teria nascido o Dr. Júlio Prates de Castilhos?
Como faz mais de 150 anos, a gente não pode afirmar com absolutíssima certeza que Júlio de Castilhos tenha nascido nessa casa atual das fotos acima. Mas são tantos os indícios que mostram que esse galpão atual tem inúmeras características de sede de fazenda  que estamos absolutamente convictos e podemos afirmar tranquilamente que Júlio Prates de Castilhos só poderia ter nascido nessa casa quando ela teria a aparência igual a imagem abaixo, projeção digital, e que a casa B, a nosso ver, seria  apenas a sua primitiva senzala.



Vejamos então alguns desses indícios:

              1 - A casa D que, felizmente, está bem conservada e, apesar de sua utilização contínua, conserva as características morfológicas de construção doméstica das casas-sedes oitocentistas: Tem telhado original, fachada simples, reta, limpa e pouca modificação em sua estrutura desde a época em que foi construída no topo da coxilha.
2 — Ela possui largas paredes com cerca de 50 centímetros de largura. Foi construída com tijolos e coberta com telhas portuguesas (capa e canal).
               3 — Possui muitas aberturas externas, tanto na parte usada pelo Capataz (cujas peças tem forro de madeira), bem como, ao fundo, na parte do dormitório dos peões.
 
                Os galpões de estâncias têm sempre uma construção mais simples com poucas aberturas. Para quê tantas aberturas, se fosse apenas um galpão?
                Tudo leva a crer que toda essa edificação, com alto pé-direito de 3,5m, teria sido a primitiva moradia dos pais de Júlio de Castilhos. Embora, usada, atualmente, com outra finalidade, repetimos, ela mais possui características de casa-sede.
                4 — Na parte interna da casa, (hoje usada como galpão), existem duas altas portas almofadadas, com bandeirolas de vidro.



Qual a razão lógica para tão ricas portas em um simples galpão? Para quê colocar portas altas, finamente trabalhadas com vistosas almofadas e com bandeirolas de vidro em um galpão onde entra tanta luz?
Parece evidente que seriam portas internas de peças independentes de uma grande casa-sede.
5 — Entre essas duas altas portas (foto acima) existe uma espécie de coluna, sem função aparente, que deve ser resto de uma parede divisória removida ao ser adaptada para galpão.
6 - Dentro do atual galpão existem várias portas antigas com almofadas empilhadas numa bancada ou console. Não seriam elas retiradas das paredes que dali teriam sido removidas?
 Além disso, são encontrados pelos arredores dessa casa, peças de madeira de lei, ainda com os antigos cravos, servindo de moirões e compondo porteiras da Fazenda.  Não seriam aproveitados marcos antigos retirados na adaptação para galpão?
7 — Em um buraco que existiu e fotografamos, no piso de lajes do atual galpão podiam ser vistos tijolos, abaixo de lajes. Não seriam resto do piso da casa-sede?
8 — O Capataz atual mora nas primeiras peças dessa casa. No quarto desse casal, aparecem os vestígios de uma porta que dá para o atual galpão e de outra (à esquerda da porta atual) que seria uma janela ou porta que foi fechada. [?]
9 — Havia, junto a esta casa, um Oratório ou capela que teria sido construído, entre 1837 a 1846, pelo padre João Vaz de Almeida, ou por um dos donos anteriores. Também é provável que o próprio Francisco Ferreira de Castilhos a tenha construído, já antes do nascimento de Júlio, a pedido de Dona Carolina, que era sobrinha de Dom Feliciano José Rodrigues Prates, o primeiro Bispo do Rio Grande. Por que uma capela ao lado de um galpão?
Nesse “Oratório de Francisco Ferreira Castilhos” foi, comprovadamente, batizada, Carolina Prates de Castilhos, a sexta filha do casal e, possivelmente, também Júlio de Castilhos (quatro anos depois) e outros irmãos mais. Ali foi, comprovadamente, onde casaram Assis Brasil e Maria Cecília, irmã de Júlio. Não se construiria uma capela à direita de um galpão, mas à direita da casa-sede.
10 — O madeiramento que sustenta o telhado (tesouras, esteios e vigas) é feito de grossos barrotes, de madeira-de-lei, falquejados e pregados com cravos e não com pregos. Não resta a menor dúvida, portanto, que este prédio é muito antigo, pois, recentemente, ao serem reconstituídas partes desse madeiramento, de lá foram retirados cravos de ferro de perfil quadrado. “Pregos” que foram feitos por ferreiros (com ferro aquecido e batido), próprios do Séc. XIX. Sabe-se que os pregos de perfil redondo só apareceram em 1875. Esta casa, portanto, seria bem anterior a 1875.               
A imponente casa D, com a capela do lado, teria sido, a nosso ver, o lar de Francisco Ferreira Castilhos e nunca um galpão da acanhada casa baixa B.
                11 — A casa D, tem cerca de 23m por 17. Uma área de cerca de 393 metros quadrados!  Por que um “galpão” tão grande? Não é uma proporção mais própria para casa-sede?


                CONCLUSÃO:

Temos consciência de nossa limitação como leigo em história. Mas temos, mesmo como simples pesquisador, a responsabilidade de uma afirmação categórica ao propor o tombamento dessa casa como a casa onde nasceu Júlio de Castilhos. Assim, para suporte científico de nossa tese, pedimos o parecer de um emérito historiador, Licenciado em História e Geografia pela UFSM, onde lecionou, especialista em Antropologia Cultural pela Universidade de Santa Catarina.  Ele escreveu:
 “Li atentamente a exposição da tese sobre o lugar onde Júlio Prates de Castilhos nasceu, na Fazenda da Reserva. Fiquei impressionado com as evidências da cultura material apresentadas no texto. Enumerei-as e anailsei-as uma a uma e não encontrei nenhuma contradição. O prédio antigo e a Capela compuseram o cenário onde Júlio de Castilhos nasceu. Não me sobra nenhuma dúvida disto.
                Deixo registrado que procurei em bibliografia competente outros dados e pouco existe. Sua tese é inovadora e esclarecedora sobre o importante fato histórico. Tenho certeza de que a comunidade científica acolherá sua tese.
                Espero que consigas o tombamento da Fazenda da Reserva. Todo o Rio Grande ganhará com isto”.           
                Foi assim que esta casa ficou protegida por lei, com Tombamento Municipal, como “casa onde nasceu Júlio Prates de Castilhos”. Escrevo, e publico através deste blog, a razão pela qual pedi esse tombamento, pois não são poucas as pessoas que me fazem esta pergunta.

2 comentários:

  1. foi de grande contribuição sua pesquisa!
    abraços

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  2. Gostei muito de tudo q vc contou tão detalhadamente. Nasci em Júlio de Castilhos em 1948.

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